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A ementa de Lutero

Desde os primeiros tempos da Reforma os seguidores de Lutero tinham-se insurgido contra a invasão da Alemanha com açafrão, canela e outras estranhas especiarias, enquanto os homens substituíam as roupas de lã dos seus antepassados por seda, e muitos escritores protestantes lamentavam a obsessão alemã com a pimenta.

Apesar de este país dar tudo o que é necessário para a vida, escrevera um dos acólitos de Lutero, ainda assem, como se a natureza os tivesse abandonado por completo, correm para coisas estranhas, indo buscar a sua roupa, a sua carne e remédios das Colunas de Hércules, da ilha da Taprobana, do rio Ganges e de sítios anda mais longínquos. O próprio Lutero chamava à grande feira de comércio em Frankfurt a pia dourada por onde toda a riqueza da Alemanha fugia, e defendia que apesar de os primeiros cristãos venderem e comprarem gado, lã, cereal, manteiga e leite, o comércio estrangeiro, que traz de Calcutá e da Índia e desse género de sítios produtos como sedas caras, objetos de ouro e especiarias – que só alimentam a ostentação mas não têm nenhum propósito útil, e que escoam o dinheiro da terra e das pessoas –, não seria permitido se tivéssemos um governo e príncipe como deve ser. 

As refeições servidas em casa de Lutero podiam ser pesadas – ele gostava de carne assada e de cerveja – mas nunca eram exóticas, e Katharina não deixava entrar pela porta nenhuma sugestão de extravagância, escondendo até um dos seus pratos de estanho que Lutero queria enviar a alguém como presente, algo que ela considerava uma extravagância desnecessária.

Havia uma analogia clara no espírito de Lutero entre a forma como os apetites alemães simples tinham sido corrompidos pelos refinamentos estrangeiros e a forma como a carne do cristianismo se estava a perder por entre as muitas guarnições que lhe haviam sido adicionadas.

Sentia que os fiéis deviam regressar a uma vida mais simples, que era também uma vida mais local, desligada da rede de práticas estrangeiras, peregrinações e especiarias pelas quais a alma se deixava facilmente aprisionar. Não obstante a convicção de Lutero de que a fé em Cristo era a chave da salvação, não deixava de haver nesta nova seita um código de comportamento igualmente estrito a cumprir, no cerne do qual estava uma grande fidelidade ao local em detrimento do global, de fidelidade ao honesto alimento alemão em detrimento da detestável e condimentada comida e estrangeira.

* Afinal Salazar era mais luterano que Lutero.
Desejava que os portugueses vivessem "habitualmente" (sobriamente), como a maioria dos portugueses daquele tempo.

Etiquetas: alimento, Lutero

posted by HCM  # 10:00