Alcatruz, s.m. (do Árabe alcaduz). Vaso de barro e modernamente de zinco, que se ata no calabre da nora, e vasa na calha a água que recebe. A. MORAIS SILVA. DICCIONARIO DA LINGUA PORTUGUESA.RIO DE JANEIRO 1889 ............................................................... O Alcatruz declina qualquer responsabilidade pelos postais afixados que apenas comprometem o signatário ...................... postel: hcmota@ci.uc.pt
"Nascido para Viver"
Portugal é dos países onde morrem menos recém-nascidos.
Documentário produzido pela FFMS e realizado por Joana Pontes procura explicar como se conseguiu esta proeza.
* Documentário muito desequilibrado.
1. Um começo neo-realista, a branco e preto; uma amostra enviesado do “povo” daquele tempo. Actualmente, num bairro da periferia da capital, não haverá dificuldade em encontrar famílias semelhantes, agora a preto e branco. E que nunca mais acaba.
2. Uma amostra histórica do jornalismo eticamente reprovável pela falta de senso e de respeito pelo “povo”: a uma mãe de 12 filhos perguntava-se “E sabe o nome deles todos?”; no período iluminista de 1976 em Lisboa, numa campanha de planeamento familiar, o jornalista pergunta, displicente, a uma multípara, rodeada pelos filhos:
- Quantos é que já tem?
- Onze.
- Parece que está grávida..
- Parece que sim
- ... mais uma vez... Vai nascer porque a srª quer ou por acaso?
Por acaso, calhou.
Nunca foi ao médico pelos filhos nascidos em casa, salvo um prematuro e que “viviam por ali”.
- Os seus filhos são saudáveis?
- Graças a Deus. Às vezes temos pouco que comer pelo que eu os deixo brincar por aí, a ver se se esquecem...2.Em 1971, criaram-se os Centros de Saúde: “muitas mulheres vão pela primeira vez ao médico e aprendem cuidados de higiene e alimentação”
3. Já então era nítida a desresponsabilidade cívica; um jovem dizia não saber bem o que era planeamento familiar: “já temos ouvido falar mas ainda não nos explicaram muito bem...”
“É preciso insistir junto das populações” diz alguém, messiânico.
4. Mostra bem o estatuto da enfermeira na consulta e nas visitas domiciliárias.
5. Mostra bem a crença messiânica do poder. A ministra de então assumiu ter tido o papel motor da revolução promovida pela I Comissão... “Encontrei um Sec.de Est (Batista Pereira) empenhadíssimo e profundo conhecedor da matéria...” “Começámos a trabalhar, ele o Sec de Estado Batista Pereira, e eu e um grupo de pessoas interessadas ... de que fazia parte o Dr. Albino Aroso...”, “... e começámos a levantar a situação e a tentar compreender”.
Mais tarde elogia os membros da Comissão “... militantes dessa causa”, cuja dedicação os levou a todos os locais onde nasciam bebés; “gente muito capaz” mas apenas militantes, soldados de um QG /MS com um coronel (BP) e um velho sargento (AA).
Foi pena, que descreveu bem o processo; não havia necessidade. Tenho a certeza que Leonor Beleza crê no que diz; o jovem Alexandre, César, Filipe de Espanha, Frederico II, também. 6. Batista Pereira teve um papel crucial de mediador técnico – político (era médico e Sec-Estado) ao advogar esta causa no MS e de coordenar a sua implantação; a ministra Leonor Beleza teve a clarividência de perceber e apoiar decisivamente as medidas que foram postas em prática. Mas a iniciativa e o grande mérito foi do grupo excepcional, do seu trabalho metódico em gabinete e no terreno e do seu entusiasmo. Foi esta exemplar conjugação de esforços que está na base do sucesso deste programa. No final da sua entrevista (parte não emitida) Leonor Beleza sublinha-o mas invertendo os termos da equação. 7. Também notável é que o fundamental deste programa se manteve até hoje com o suporte do MS (“está bem, não se mexe”) e a dedicação esclarecida e apoiada nas melhores práticas dos neo-natalogistas e dos obstetras, médicos e enfermeiras que mantêm as normas e que criaram e mantêm um registo nacional de sua iniciativa e com o entusiasmo primordial de que o JC Peixoto é o cronista (a entrevista dele é exemplar). Espírito e entusiasmo que reflecte e perpetua o de uma das figuras tutelares, o Torrado da Silva. Só se ouviu o Octávio Cunha falar nele.
Octávio e Torrado que, por razões de princípios, se haviam exilado para a Suíça onde ambos atingiram o mais alto grau hospitalar e donde regressaram logo após o 25 de Abril; exemplos não do estrangeirado que, no regresso, se limita a replicar o que viu fazer, mas do que tenta traduzi-lo para a situação concreta nacional.
8. Não foi sublinhada a noção da oportunidade, pedra de toque de uma boa estratégia - esta política de cuidados integrados à grávida e ao RN só teve lugar quando os problemas fundamentais da Pediatria estavam em vias de solução: "A paz, o pão, habitação, saúde, educação" e os Centros de Saúde implantados por todo o país. Kutuzov teria aprovado.
9. Cerca de 80% do documentário é dedicado aos cuidados ao RN, como se tudo se resumisse a saúde pública (água, saneamento, alimentação e vacinas) e a gestações programadas e vigiadas, a partos bem assistidos, transporte medicalizado e UCI NN. Foi importantíssimo mas foi implantada num terreno desbravado que se manteve.
10. Foi pena que o documentário tivesse privilegiado a vertente mediática e descurado alguma verdade histórica e sobretudo não tenha sublinhado a exemplaridade do processo que poderá ser replicado em outras áreas da saúde e da política.
Um processo que preferiu o planeamento às leis da procura, a competência à competição, as necessidades objectivas aos desejos, o brio ao provento, as normas discutidas pelos intervenientes às leis resultantes de jogos de poder. *Foi pena que a realizadora Joana Pontes não tivesse tido guionista; Albino Aroso, Octávio Cunha, Pereira Leite, Luís Carvalho, Dória Nóbrega, Purificação Araújo, Vicente Souto e, sobretudo, o Torrado e o Palminha que já morreram mereciam melhor.* Que foi talhado tendo em conta as necessidades de todos e não apenas dos que protestam nem sequer a da maioria que elege ou a minoria que pode pagar - as de todos os portuguesitos em especial os que mais precisam. E talhado com a generosidade de não exigir prémios de assiduidade nem esperar senhas de presença nem horas extraordinárias ou comendas que não as da satisfação do dever cumprido ao ver ressuscitar um mal nascido; trabalhando muitas vezes fora de horas, deslocando-se em carro próprio partilhado, jantando onde e quando "calhava". Foi assim, para que conste.Etiquetas: sns FFMS jornal RN