1. A exposição “Viva a República” transformou a Cordoaria Nacional num organismo vivo. Há ruas, edifícios e praças em grande escala, onde se escutam tiros, gritos e multidões em protesto. Nas paredes, vídeos e filmes de época (Cinemateca), fotografias, recortes de jornais .
A exposição ocupa todo o espaço da Cordoaria Nacional. Ou seja, 400 metros de comprimento e cerca de doze de largura.
2. Bem, lá visitei a exposição realizada pela Comissão Nacional para as Comemorações da República. Tem, com toda a certeza, competência científica, historiográfica. Mas não gostei. Não gostei do objecto, o que terá a ver com o que se pretende com uma exposição. Ou seja, não gostei daquilo que para muitos (e para os autores, com toda a certeza) é uma virtude. Pois é algo enorme, o visitante fica exausto, física e intelectualmente. A metade do percurso já suspirava por Gomes da Costa e seus cadetes, para que pusessem fim ao meu suplício. A vertigem dos autores em serem exaustivos levam os visitantes à exaustão. E é uma pena.
Há ainda um ponto, alguns textos são excessivamente longos, muito virgulados. Coisas que não funcionam em painel. Mas isso já é nota, até malévola, que advém da minha irritação. E de onde deriva ela? Da ideologia que transpira, que julgo inaceitável. jpt.
* No centenário da República esperava uma análise distanciada que permitisse a perspectiva, impossível neste labirinto de corredores estreitos onde mal se podem ver os inúmeros cartazes, fotografias, recortes de jornais e filmes de época. Tanta informação concentrada engasga, literalmente, o visitante.
Muito letra, muita palavra escrita. Abusa-se do texto em desfavor do gráfico evolutivo; das opiniões, das crenças e das emoções em vez dos dados e dos factos. Comemora-se o dia 5-10-1910 (tiros, gritos e multidões em protesto), aquela república a que serviu de modelo uma jovem empregada de uma loja do Chiado e não a República.
Confirma-se que a liberdade de imprensa nos últimos anos da monarquia era total; tudo se publicava - texto ou caricatura a desancar o rei, a corte, os políticos da situação, o clero, a nobreza e, claro, a dívida pública e os “adiantamentos” para custear o fausto da casa real.
O tom é excessivamente laudatório, comicial. Afonso Costa a mais; o Alm. Reis voltaria a suicidar-se.
Os cartazes da época e os filmes da Cinemateca são soberbos – pena não terem sido restaurados; as rugas não devem ser ampliadas. Têm que ser vistos de pé, o que cansa muito; o único que é possível ver sentado é ofuscado por um foco de luz que incide sobre um enorme símbolo republicano, pintado no chão.
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O cortejo fúnebre do rei é um monumento de arte funérea a suscitar analogias - a carreta puxada por azémolas cobertas de panos pretos até ao chão que só deixam ver as patas e os olhos; presume-se que haja mulas subjacentes. Também há cem anos ninguém andava com a cabeça descoberta – os homens e as senhoras de chapéu, as mulheres de lenço. Não creio que tenha sido a sanha anticlerical a causa da actual moda de cabelo à mostra.
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Saneou-se o clero e a nobreza mas o sistema manteve o protocolo e a liturgia – coroa, trono, santos e demónios, sermões, altares, milagres, procissões, crença, exorcismos. 
A anarquia dos revoltosos do 5 de Outubro é alarmante; tal como no 25 de Abril, a monarquia caiu de choca. Soldados mal armados e burgueses de fato completo e espingarda a tiracolo, que poucas balas teriam - tal como os blindados de Salgueiro Maia.
Exemplos da fraca pontaria e da pobre pertinência do objectivo são os impactos na fachada do palácio real – mal atingiram uma janela... Na rua, um candeeiro manteve-se de pé apesar de atingido por 5 tiros. Tudo em contraste com o regicídio carbonário, muito bem programado e executado com perícia.
Saí a meio, antes da Grande Guerra; voltarei mais tarde, depois do armistício com o 5/X/1910, para ver o que mudou com a república.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido,
análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero."
Guerra Junqueiro, 1896