alcatruz

Alcatruz, s.m. (do Árabe alcaduz). Vaso de barro e modernamente de zinco, que se ata no calabre da nora, e vasa na calha a água que recebe. A. MORAIS SILVA. DICCIONARIO DA LINGUA PORTUGUESA.RIO DE JANEIRO 1889 ............................................................... O Alcatruz declina qualquer responsabilidade pelos postais afixados que apenas comprometem o signatário ...................... postel: hcmota@ci.uc.pt

7.10.09

 
Histórias da linha da frente

- Somos gente que o senhor rei mandou para aqui há muitos anos povoar estar terras tomadas aos Moiros, e já aqui nos nasceram os filhos e morreram os pais. Fizemos horta, pegámo-nos de amor à casa, e vai os antigos donos tornaram, botaram-nos fora e, como os nossos lhes vieram à mão, arrasaram a horta e deitaram fogo à casa. Vivemos a monte há muitas semanas. Mas, Santa Maria vale, depois da batalha que o senhor rei ganhou.
E aquele que parecia ser o cabecilha arrancou do taleigo, que um matulão trazia às costas e, desapertando o nagalho, à vaga claridade do facho exibiu o quer que era de fedor insuportável. Como Bigorril, desviando o nariz anojado, desse sinais de incompreensão, o homem introduziu a manápula, revolveu como fazem os negociantes de cereal ao sacar a amostra, e tirou para fora um punhado de orelhas.
- Para que servem? - perguntou Bigorril.

- Eu digo ao santinho para que servem. Primeiro para saber quantos despachámos para o caldeirão de Pêro Botelho; depois, enfiadas num cordel, pomo-las, até caírem de podres, ao pescoço de São Tiago, que se venera na nossa capela. Há quem as aproveite para engorda dos cevados...
- Anos atrás, o senhor rei dava por cada orelha direita cem aguilhadas de terra -
ajuntou outro.

-Hoje não sabemos. À cautela vão-se guardando.
- Se fosse de valha, eu já tinha um bom chãozinho; seis orelhas foi quantas cortei.
- E eu com quatro já recebia uma leira para vinte pousadas...
- Cortei duas; competia-me uma horta...
- Eu com quinze era para ter uma regada! –
proferiu uma voz de mulher no escuro.
Como alardeassem os seus diferentes troféus, Bigorril observou-lhes:
- Se fossem ao campo de batalha arranjava cada um a sua granja...
- Bifam-nas os soldados; malditos eles sejam! - exclamou o caudilho em tom quezilado.- Não sabias? Pois é. Uns olham os cadáveres, alimpam-lhes as algibeiras e levam também as armas; outros despem-nos e carregam com a roupa; os últimos, por ordem dos capitães, cortam-lhes as orelhas.
- E os feridos?
- Os feridos acabam-se, se mostram cara feia; se dão sinais de arribar, vão para o mercado. Estas são as ordens; mas nós, tanto a fugitivos como a feridos em risco de patear ou de perfeita saúde, damo-lhes o catatau, pois que não no-los reconhecem por nossos. Viva Deus, faz-se o que se pode!
Bigorril considerou que a guerra transformava aqueles lapuzes, ainda na véspera mansíssimas azémolas da sachola e charrua, em refinados chacais. Afinal, tanto eles como os refluentes sacrificavam à dura lei da conservação no altar de Deus e do rei. Sim, o retorno do antigo senhorio exacerbava o instinto de propriedade do actual possuidor até o frenesi. Não era justo, nem injusto, mas um irremessível fadário. Este revezamento do domínio entre moiro e nazareno, esta sucessão cíclica de calamidades apresentava-se a Bigorril como problema que não tinha solução na mesa do seu Deus. Porquê, porquê?
Aquilino Ribeiro. O Servo de Deus. (1941) Bertrand 2007.

História tribal da humanidade
... o que teve o seu tempo e que deve hoje ser encerrado é a história tribal da humanidade, a história das lutas entre nações, entre Estados, entre comunidades étnicas ou religiosas e entre «civilizações». O que termina diante dos nossos olhos é a pré-história dos homens. Sim, uma pré-história demasiado longa, feita de todas as nossas crispações identitárias, de todos os nossos etnocentrismos que não deixam ver, dos nossos egoísmos considerados «sagrados», quer sejam patrióticos, comunitários, culturais, ideológicos ou outros.
Não se trata aqui de fazer um juízo ético sobre estes mecanismos imemoriais da História, mas de constatar que as novas realidades impõem que saiamos delas o mais depressa possível. Para iniciar uma etapa totalmente diferente da aventura humana, uma etapa em que deixaremos de combater contra o Outro - a nação adversa, a civilização adversa, a religião adversa, a comunidade adversa -, mas contra inimigos muito mais consideráveis, muito mais temíveis e que ameaçam a humanidade no seu conjunto.
Amin Maalouf. Um mundo sem regras. Difel. 2009

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