Alcatruz, s.m. (do Árabe alcaduz). Vaso de barro e modernamente de zinco, que se ata no calabre da nora, e vasa na calha a água que recebe. A. MORAIS SILVA. DICCIONARIO DA LINGUA PORTUGUESA.RIO DE JANEIRO 1889 ............................................................... O Alcatruz declina qualquer responsabilidade pelos postais afixados que apenas comprometem o signatário ...................... postel: hcmota@ci.uc.pt
Entre belzebus e amuletos
A tempestade mundial de críticas ao que disse o Papa sobre o preservativo da SIDA (de que a distribuição de preservativos não é a resposta adequada para se ajudar a África a combater a SIDA) merece análise.
Uma opinião radical desencadeou outra igual e de sinal contrário; compreende-se (aceite-se ou rejeite-se) um radicalismo de base religiosa; não se pode aceitar uma tomada de posição racional sem provas sólidas. O editorial do Lancet foi a bênção científica do anátema laico; foi pena que não citasse provas sólidas.
Jorge Sampaio lamentou que a "discussão" sobre o uso do preservativo não evolua.
Com esse objectivo procurei algumas provas de fontes de confiança.
1. Comecei pela fonte limpa: The Cochrane Library -Using condoms consistently reduces sexual transmission of HIV infection, when used consistently. Os "always" users têm um risco 80% inferior aos "never" users .
O que é óbvio mas, tal como a moção papal, não se adequa ao problema concreto:
Se a sida se propaga sobretudo pelas relações sexuais, se estas só se efectuarem entre cada casal, um transmissor de sida só infectará o cônjuge: sim, a sida pararia se, havendo sexo, só fosse no casamento.
O porém está no facto de haver sexo fora do casamento e muito. F.Fernandes
Mas, se a sida se propaga sobretudo pelas relações sexuais, se estas só se efectuarem com preservativo: sim, a sida pararia se, havendo sexo, fosse só com preservativo.
O porém está no facto de haver sexo sem preservativo e muito.
E este facto é crucial para estimar o risco que é exponencialmente proporcional ao número de falhas de protecção - usar o preservativo num terço dos casos não reduz o risco em um terço – e as falhas são muito frequentes : “... in settings where HIV infection is widespread, the use of condoms in primary partnerships remains low—representative surveys of women in 13 African countries found that fewer than 7% report condom use in the last sex act with their regular partner. Unless one partner knows they are HIV positive or feels substantially at risk, interventions generally have limited success at achieving consistent use of condoms in primary partnerships. " BMJ 2004
Mas mesmo se ninguém quisesse correr risco, tal não seria possível dada a escassez de recursos: "One analyst found that 24 billion condoms per year are the minimum requirement to protect sexually active people against HIV/AIDS, while only 6 to 9 billion are actually used (1999). … the six African countries that currently provide the highest level of condoms per man per year ... provide an average of only 17 condoms per man per year (for men aged 15 to 59) (2001).
É por isso que são insensatas algumas reacções: "A posição do Papa Bento XVI é absolutamente criminosa. Ela contraria estudos científicos da ONUSIDA e da OMS que foram divulgados amplamente e que referem que mais de 90% das infecções pelo HIV podem ser travadas pelo preservativo", frisou Ana Filgueiras, especialista em programas de prevenção do HIV-Sida.
Poder, podem, o problema é a sua exequibilidade.
E isto não acontece só em África: mesmo com amplo acesso a meios contraceptivos, a experiência portuguesa é elucidativa: Entre os jovens sexualmente activos 35% têm sexo desprotegido. Instituto de Ciências Sociais. Público 30.09.2008
Em Portugal um sexto de gestações foram abortadas voluntariamente; 20% mais do que uma vez.
2.
Analisemos os “estudos científicos da ONUSIDA e da OMS” que fundamentam as decisões da OMS:
Condoms have played a decisive role in HIV prevention efforts in many countries.
Condoms have helped to reduce HIV infection rates where AIDS has already taken hold, curtailing the broader spread of HIV in settings where the epidemic is still concentrated in specific populations.
Recent analysis of the AIDS epidemic in Uganda has confirmed that increased condom use, in conjunction with delay in age of first sexual intercourse and reduction of sexual partners (the “ABC” campaign: “Abstinence, Be faithful, or use Condoms.”) was an important factor in the decline of HIV prevalence in the 1990s. Thailand’s efforts to… targeted condom promotion for sex workers and their clients dramatically reduced HIV infections in these populations and helped reduce the spread of the epidemic to the general population. A similar policy in Cambodia has helped stabilize national prevalence, while substantially decreasing prevalence among sex workers. In addition, Brazil’s early and vigorous condom promotion among the general population and vulnerable groups has successfully contributed to sustained control of the epidemic.
Em resumo:
O Uganda adoptou “the “ABC” campaign: “Abstinence, Be faithful, or use Condoms.”
A Thailand optou por “condom promotion for sex workers”
O Cambodia verificou uma “decreasing prevalence among sex workers.”
O Brasil adoptou uma estratégia múltipla: Key targets were identified for the prevention of infection: the promotion of HIV testing; promotion and education on condom use; the provision of disposable syringes; increasing the availability and provision of incentives for pre-natal testing, and the prevention of other STD.
O exemplo de qualquer destes países dificilmente pode servir de base a generalizações: o Uganda e o Brasil adoptaram o método ABC; a Tailândia e o Camboja focaram “sex workers”. Por fim, o sucesso das campanhas no Brasil foi avaliado comparando os dados actuais com as previsões do Banco Mundial: In the early 1990s, the World Bank had predicted that 1.2 million people in Brazil would be living with HIV by the year 2000. Due to the effectiveness of prevention campaigns, though, the actual figure was around 600,000.
Nada destes factos questiona o papel do preservativo na prevenção da SIDA exactamente nas condições que a OMS sublinha “accessible to those who need them when they need them, and that people have the knowledge and skills to use them correctly and consistently.”WHO 2009
Se a sida se propaga sobretudo pelas relações sexuais, se estas só se efectuarem com preservativo: sim, a sida pararia se, havendo sexo, fosse só com preservativo.
O porém está no facto de haver sexo sem preservativo e muito. E não é provável que esta realidade se vá alterar muito em breve.
Tanto o Papa como os activistas da OMS tomam os seus desejos por realidades. Os factos aconselham a cuidado na interpretação e prudência nas propostas: a epidemia não se vence com mais do mesmo.
Perante estes factos, a reacção dos políticos e dos activistas foi disparatada.
Activistas, médicos e políticos criticaram a posição do Papa, afirmando ser perigosa, irreal e não científica.
“La France exprime a sua viva preocupação quanto às consequências das declarações de Bento XVI”, disse hoje um porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Ministério da Saúde espanhol sublinha que “os preservativos são um elemento necessário na política de prevenção e uma barreira eficaz contra o vírus, atestam os estudos dos laboratórios”. E anunciou o envio de um milhão de preservativos para África.
Os ministérios da Saúde e da Ajuda ao Desenvolvimento alemães lembraram que “o uso do preservativo faz parte dos meios contraceptivos aos quais os países pobres devem ter acesso. Qualquer outra posição seria irresponsável”.
O Papa declarou que a distribuição de preservativos não é a resposta adequada para se ajudar a África a combater a SIDA. Não reconheço ao Vaticano particular autoridade para emitir opinião num tema tão específico. Esperava que ela fosse rebatida com argumentos sólidos; infelizmente vi demasiados políticos e activistas e poucos, muito poucos dados concretos.
Esperava que uma proclamação “ex-catedra” fosse contestada com outros argumentos que não apenas os de autoridade; mesmo a do editorial do Lancet.
A um credo (Não caias em tentação) não se responde com uma crença. (Não te prives de preservativos). Etiquetas: SIDA ciência preservativo fundamentalismo