alcatruz

Claro que não me agrada saber que cada vez mais vivemos numa sociedade agarrada aos bens materiais, claro que não me agrada saber que cada vez mais vivemos para ter e não para ser. Claro que me aflige que os meus filhos venham a crescer numa sociedade com este tipo de valores ……
Mas, contudo, dou por mim a tentar justificar aquilo que, muitas vezes, julgo ser uma compensação pelo tipo de vida que levamos, ou pior, somos obrigados a levar. Que tempo disponível temos para realmente fazer o que queremos ou gostaríamos de fazer, sim e este é para mim um dos factores cruciais que leva o comum dos mortais a enveredar pelo caminho mais fácil, ou será mesmo o único, o das compensações traduzidas no excessivo consumo de bens materiais, no desperdício, na máscara da abundância.

Entristece-me quando concluo que não passo quase tempo nenhum com a minha família, entristece-me pensar que a nossa sociedade se acomodou a um modo de vida dominado pelos horários de trabalho desproporcionados, justificados pelo que se tem chamado a “necessidade de aumento da produtividade nacional”.

Chegou-me outro dia à caixa de emails “Na Noruega, o horário de trabalho começa cedo (às 8 horas) e acaba cedo (às 15.30). As mães e os pais noruegueses têm uma parte significativa dos seus dias para serem pais, para proporcionar aos filhos algo mais do que um serão de televisão ou videojogos. Têm um ano de licença de maternidade e nunca ouviram falar de despedimentos por gravidez."

Somos obrigados a voltar ao trabalho quatro meses após o nascimento de um filho(a) mas sabemos que a resposta pública no ensino pré-escolar apenas se encontra disponível a partir dos 3 anos (e sublinhe-se 3 anos feitos até Setembro, caso contrário a pequena criança apenas pode usufruir do serviço público já feitos os 4 anos).
Ora, com a evolução (que muitas vezes não significa uma melhoria) da sociedade, com a distância que separam os netos dos avós ou os sobrinhos dos tios, é quase inevitável que a única saída seja…. Com quatro meses de idade deixarmos os nossos filhos em locais privados ou nas chamadas IPSS (sendo que os últimos SS significam Solidariedade Social,,,,enfim um conceito nos dias de hoje bastante adulterado !!!!!!).
Julgo que aqui começam algumas das frustrações da nossa sociedade. Juntando-se horários de trabalho agressivos e que para a maioria são quase obrigatórios, se não os fizermos há quem os faça e assim contribuiremos para mais uns pontitos na taxa de desemprego. Saímos de casa de madrugada, regressamos perto da hora de jantar, as nossas crianças familiarizam-se desde cedo com um mundo de stress onde não há quase lugar para conviver, dialogar, comtemplar, ler, partilhar, experimentar, parar….
Nós os adultos acomodamo-nos a um modo de vida inevitavelmente sedentário, stressado, sem tempo para o que realmente é importante, na esperança que talvez um dia algum dos nossos governantes se lembre em apostar em assuntos que vão para além dos números, das percentagens, dos défices, dos aumentos e das diminuições.

Assumimos este modo de vida como o modo de vida moderno, estudamos a depressão e abordamo-la como doença do século XXI, e até já falamos na criação de gabinetes de apoio criados pelo governo para apoio ao cada vez maior número de doentes. Cuidados Paleativos………….. Tratamentos reactivos, não estarão já identificadas as causas e, digo eu, talvez não fosse assim tão difícil combatê-las!!!!!

Lembro-me de um filme extraordinário de Nanni Moretti , o “quarto do filho” em que uma das personagens interpretava um psiquiatra que ajudava uma série de indivíduos com problemas psicológicos, lembro-me que um doentes dizia ao médico que quem mais ganhava com as suas frustrações e depressões era a loja de pronto a vestir no rés-do-chão do consultório…….. Compensações fáceis quando o que realmente queremos nos parece inatingível.

Preocupa-me que nenhum destes temas seja abordado nas campanhas eleitorais.
susana